"O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que do inferno não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço."
Ítalo Calvino

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Em véspera de eleição



Continua a campanha apolítica, apartidária, acrítica. A aliança envolve PSB, PT, PSDB, PTB (aquele do Roberto Jefferson e atual partido de Collor) PP (partido do Maluf e dos Amin), PR, PV, PSC, PSL, PPS, PMN, PSC, PTN, PRP. Do outro lado católicos e protestantes se unem contra a aliança e contra os comunistas que, por sua vez, se separam...
Bela herança nos deixaram os militares: o pluripartidarismo, seu derradeiro golpe.
Quem sabe eu possa encontrar minha esperança num banco de praça.

domingo, 14 de setembro de 2008

Hai-kai de inverno?


36 graus sem vento,
com vento,
inverno invento do global esquecimento.

Emancipação

Segundo Kant, você é livre no momento em que não busca fora de si mesmo alguém para resolver os seus problemas.
Nesses termos, o ser emancipado por vezes me parece um ser ilhado.

sábado, 13 de setembro de 2008

Singular




O corpo arrepiado pula na cama estranhando a falta de beijos.
A língua passeia pelo céu da boca que não veio.
Gozo intransitivo na primeira pessoa do eu-singular.
Estranha festa, absurdamente silenciosa.
(Ivana Arruda Leite)

Raposa Serra do Sol

As terras de índios são 43% ao todo, porém, até 30, 40 anos atrás, eram 100%. E o que acontece hoje com os 57% que não são terras de índios? São ocupados por uma população muito pequena, algo em torno de 1 milhão de pessoas. O que é isso? É latifúndio. Sabe quantos são os arrozeiros que exploram terras da reserva? Seis. Não há dúvida de que o que se quer são poucos brancos, com muita terra. Outra inverdade: as terras da reserva são dos índios. Não são. Eles não têm a propriedade, mas o usufruto. Porque as terras são da União. E a União tem o dever constitucional de zelar por elas. Já os arrozeiros querem a propriedade. As notícias que temos são as de que, desde a homologação, produtores rurais que estão fora da lei já atacaram quatro comunidades indígenas, incendiaram 34 casas, arrebentaram postos de saúde, espancaram e balearam índios.

Diz-se que 49,5% dos 225 povos indígenas do Brasil são constituídos, cada um, de no máximo 500 indivíduos. Vem daí a idéia de que é pouca gente para muita terra?

Mas no Estado de Roraima há meia dúzia de arrozeiros fazendo esse estardalhaço todo. Meia dúzia! Também não é pouca gente? Como é que comunidades tão pequenas podem ameaçar o Brasil? Só se forem criar Estados de Mônaco. Utilizar o índio como modelo de latifúndio, como se tem feito, é um prodígio de má-fé.




Vejam na íntegra a entrevista do Viveiros sobre a crise na reserva:


http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup159735,0.htm

domingo, 7 de setembro de 2008

Dialética do trabalhador

Sim, bem, trabalhar para ganhar a vida, lógico.
Mas por que essa vida
que para ganhá-la tem-se que disperdiçá-la trabalhando?



sábado, 6 de setembro de 2008

Sobre o casamento


"Se os esposos não vivessem juntos, haveria mais matrimônios felizes"
Friederich Nietzsche

Russellniana 2 - Sobre o tempo


"O tempo que você gosta de perder,
não é tempo perdido."
Bertrand Russell

Mais Simples



É sobre-humano amar

'cê sabe muito bem

É sobre-humano amar, sentir, doer, gozar

Ser feliz

Vê que sou eu quem te diz

Não fique triste assim

É soberano e está em ti querer até

Muito mais

A vida leva e traz

A vida faz e refaz

Será que quer achar

Sua expressão mais simples?

Mas deixa tudo e me chama

Eu gosto de te ter

Como se já não fosse a coisa mais humana

Esquecer

É sobre-humano viver

E como não seria

Sinto que fiz esta canção em parceria

Com você

A vida leva e traz

A vida faz e refaz

Será que quer achar

Sua expressão mais simples?

(José Miguel Wisnik)

Sexta-feira, feiticeira e recapeamento eleitoral

Depois de trabalhar até as 22:35h falando de controle social, estratificação social, papel social e o escambau, o negócio é chegar em casa e assistir qualquer bobagem, beber alguma coisa (já que a lei seca me impede de fazê-lo na rua), não pensar muito e cair no sono. Um sonho de tranqüilidade (quase um tédio), não fossem as eleições municipais. Nessa eleição estranha, de partidos camuflados e agrupados, que alia governador tucano e prefeito estrelado para eleger um candidato apartidário (o que foi feito dos socialistas que agora têm como representante um empresário?). Toda a cidade está sendo restaurada, reformada, maquiada. Inclusive a minha rua, onde ao invés de fazerem nela um canteiro de flores, fizeram dela um canteiro de obras. À meia-noite de sexta-feira (já troquei a feiticeira pelo Zé do Caixão que entrevista Sílvio Luiz) o barulho é infernal. Enfim, mais um bom motivo para votar na Jô!

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Russellniana 1 - sobre a morte (ou: das melhores do papai)

"Acredito que quando eu morrer, eu me putrefarei e nada em mim sobreviverá. Não sou jovem, e amo a vida. Mas desdenharei os calafrios de terror ao pensamento da aniquilação total. A felicidade não é, absolutamente, menor e menos verdadeira apenas porque deve, necessariamente, chegar a um fim, e tampouco o pensamento e o amor perdem seu valor por não serem eternos." (Bertrand Russell, 1965)

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O que o vento não levou


No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento.

Mário Quintana

Aniversário


Fruta Boa
(Milton Nascimento e Fernando Brant)

É maduro o nosso amor, não moderno

Fruto de alegria e dor, céu, inferno
Tão vivido o nosso amor, convivência
De felicidade e paciência
É tão bom...

O nosso amor comum é diverso
Divertido mesmo até, paraíso
Para quem conhece bem
Os caminhos
Do amor seu vai e vem
Quem conhece

Saboroso é o amor, fruta boa
Coração é o quintal da pessoa
É gostoso o nosso amor
Renovado é o nosso amor
Saboroso é o amor madurado de carinho

É pequeno o nosso amor, tão diário
É imenso o nosso amor, não eterno
É brinquedo o nosso amor, é mistério
Coisa séria mais feliz dessa vida

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Sobre o canibalismo

"Poderíamos igualmente perguntar por que os cristãos europeus não desenvolveram o canibalismo ritual dos figianos. Afinal, eles chegaram tão perto."
Marshall Sahlins

A invenção da tradição

Sendo a Grã-Bretanha a pátria da "invenção da tradição", é desnecessário explicar aqui a expressão. Todos sabem, igualmente, como os antropólogos apressaram-se em adaptar tal idéia à nostalgia cultural hoje corrente entre os povos outrora coloniais. Pelo Terceiro e Quarto Mundo afora, as pessoas andam a proclamar o valor de seus costumes tradicionais (tal como elas os concebem). Infelizmente, uma certa atmosfera livresca de inautenticidade paira sobre esse moderno movimento pró-cultural. O rótulo acadêmico "invenção" já sugere artifício, e a literatura antropológica transmite, com demasiada freqüência, a impressão de um passado meio falsificado, improvisado ara fins políticos, que provavelmnte deve mais a forças imperialistas que a fontes indígenas. A título de antídoto possível, chamo a atenção para um caso notável de invenção da tradição, cuja respeitabilidade nenhum acadêmico do Ocidente será tentado a negar. Pois deu-se que, nos séculos XV e XVI, um punhado de intelectuais e artistas nativos europeusreuniu-se e pôs-se a inventar suas tradições, e a si mesmos, tentando revitalizar o saber de uma antiga cultura que consideravam ter sido obra de seus ancestrais, mas que não compreendiam plenamente, pois essa cultura estava perdida há muitos séculos, e suas línguas (latim e grego) andavam corrompidas ou esquecidas. Muitos séculos antes, igualmente, esses europeus tinham-se convertido ao Cristianismo; mas isso não os impedia agora de clamar pela restauração de sua herança pagã: voltariam a praticar as virtudes clássicas, chegariam mesmo a invocar os deuses pagãos. Seja lá como for (e como foi), nessas circunstâncias - as de uma enorme distância a separar esses intelectuais aculturados de um passado efetivamente irrecuperável -, nessas circunstâncias a nostalgia já não era o que costumava ser. Os textos e monumentos que esses intelectuais construíram eram, o mais das vezes, meros simulacros servis de modelos clássicos. Criaram assim uma tradição consciente de cânones fixos e essencializados; escreveram história no estilo de Lívio, poesia em um latim amaneirado, tragédia ao modo de Sêneca e comédia conforme Terêncio; decoraram igrejas cristãs com fachadas de templos clássicos e seguiram, de modo geral, os preceitos da arquitetura romana estabelecidos por Vitrúvio - sem se darem conta de que esses preceitos eram gregos. Tudo isso veio a ser chamado, na história européia, de Renascimento, pois deu à luz a "civilização moderna". O que mais se pode dizer disso, senão que algumas pessoas sempre tiram a sorte grande histórica? Quando são os europeus que inventam suas tradições - com os turcos à suas portas - trata-se de um renascimento cultural genuíno, o início de um futuro de progresso. Quando outros povos o fazem, é um signo de decadência cultural, uma recuperação factícia, que não pode produzir senão simulacros de um passado morto. Por outro lado, a lição histórica poderia ser a de que nem tudo está perdido (Marshal Sahlins. Esperando Foucault Ainda)

A morte de Pã



Quando aquele que o beijo infiel traíra no Horto,
Desfaleceu na cruz, das montanhas ao mar
Gemeu, com grande pranto e feio soluçar,
Uma voz que dizia: "- o Grande Pã é morto!...

"Aquele deleitoso, almo viver absorto
"No amor da natureza augusta e familiar,
"O ledo rito antigo, outrem veio mudar
"Em doutrina de amargo e rudo desconforto.

"Faunos , morrei! Morrei, Dríades e Napéias!
"Oréades gentis que a flauta do Egipã
"Congraçava na relva em rondas e coréias,

"Morrei! Apague o vento os tenuíssimos laivos
"Dos ágeis pés sutis... Bosques, desencantai-vos...
"Fontes do ermo, chorai que é morto o grande Pã!...

Manuel Bandeira

Afogado nos Andes 1



No ar rarefeito como a vida
vai a vida do índio formiga.

A esta altura, o oxigênio raro
faz pelo avesso outro afogado.

Quem se afoga nele ou por falta
dele, é igual a boca angustiada:

os afogados submarinos têm os gestos dos sobreandinos,
sempre que possam expressar, com a boca ou as mãos, a falta de ar

de onde demorar não se pode:
onde a vista é de quem foge.

João Cabral de Melo Neto

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Educação pela Pedra


Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;

captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta;
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.


Outra educação pela pedra: no Sertão

(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.


João Cabral de Melo Neto