"O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que do inferno não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço."
Ítalo Calvino

sábado, 12 de junho de 2010

A Real Estrada


Então,
bem diz Marshall Sahlins: "O desenvolvimento econômico é apropriadamente definido como o enriquecimento material do modo de vida do povo. A cultura desse povo é o objeto do desenvolvimento, não seu impedimento (SAHLINS, Esperando Foucault, ainda. p. 71)

Escrevo este post a pedidos. Talvez o tenha feito a quatro mãos. Fora aquelas que me compõem ou me acompanham.

Mais uma vez passo em São Gonçalo do Rio das Pedras o feriado de Corpus Christi.
Um ano depois as coisas já estão mudadas. Não o barulho das festas. Nem os carrapatos, heróis da resistência. Nem as condições de vida da população. Mas o asfalto está cada vez mais próximo. A população convocou uma reunião com os responsáveis pela estrada. Não serviu de quase nada, a não ser pela "alça" que "conquistaram".

Sempre disse que o projeto da Estrada Real era um projeto de asfaltamento. O resto era secundário. Quem não acreditou...

A estrada atravessa Três Barras, Milho Verde, São Gonçalo, Vau etc. Todas pequenas vilas, com casas históricas, ruas de terra ou calçadas de pedras grandes. Vivem do que plantam e a terra não é das melhores. Atraem turismo natureba e veranistas. Os que vão, procuram sossego. A população é pobre e acolhedora, mas despreparada para receber turistas que buscam um certo tipo de conforto e eficiência no atendimento. Turistas que virão com o asfalto e com a publicidade.

Dizem iludidos românticos que São Gonçalo é forte: a comunidade conseguiu uma alça da estrada, para não passar pelo centro. A alça passa - literalmente - no meio da pousada 5 amigos.

Que venham os caminhões!

Para os que argumentam em favor da estrada como acesso ao desenvolvimento (hospitais, escolas, escoamento de produção etc.) eu pergunto: porque não levar os hospitais, as escolas e a produção até as pessoas, na medida de seu desejo e suas necessidades? Por que, até hoje, não foi feita essa manutenção? Até hoje as pessoas não precisavam de hospitais e medicamentos? Por que até ontem o Estado só apareceu na forma de impostos e de proteção para os que exploram essa população? Por que uma alça que passe por fora da cidade e a manutenção das estradas de terra e pedra em boas condições de circulação não são viáveis? A quem incomodaria uma estrada assim? Por que o Estado pode destruir o centro de uma cidade e não pode passar no interior de fazendas?

Enfim, disse o Renato: "Com a estrada sim é que esse povo vai precisar de médico! Vai todo mundo enfartar!" Sem contar os atropelamentos e as meninas grávidas.

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